domingo, 17 de junho de 2018

Detonerds Explica: Trabalhando com Dragões em sua Narrativa



Por Davi Paiva

Nota 1: este artigo tem como objetivo servir de orientação para escritores e mestres de RPG. Portanto, quando lerem o termo “narrativa” ou “produtor”, saibam que estou me dirigindo aos dois públicos.

Nota 2: este artigo também é feito de acordo com as nossas novas políticas de publicações. Caso não as conheça, clique aqui. Agradecemos a compreensão.

Nota 3: este artigo segue o mesmo exemplo do nosso texto sobre tipos de magos, ou seja, ele busca ser uma orientação a quem estiver interessado e não uma “cagação de regra”.

Acredito, em minha humilde opinião, que não há criatura mais fascinante e mitologicamente universal do que os dragões. Qualquer povo possui uma lenda envolvendo a imagem arquetípica: traços reptilianos e ameaçadores, capaz de voar, nadar ou se rastejar, sendo um inimigo feroz, guardião de tesouros ou mestre sábio.

E como a importância de tal criatura não ficou apenas na mitologia, é fácil encontrar sua influência na literatura, música, pintura, mídia audiovisual (cinema, TV, desenhos, séries, jogos, etc.) e outras.

Logo, com tantos trabalhos, criar uma narrativa com dragões acaba virando uma grande responsabilidade ao produtor.

E é para tentar ajudar que estou criando este artigo.


Como não querer narrar um encontro desses?


A primeira dica que passo a interessados é: defina o que é um dragão.

A imagem mais clássica que temos de um dragão é uma criatura reptiliana de quatro patas, um par de asas, cauda, escamas e capaz de soltar fogo pela boca. O que não quer dizer que seja a única.

Em algumas tramas, o dragão tem o formato que conhecemos como serpe (ou wyvern), com as patas dianteiras fazendo a função de asas. E em outras, pode ter as asas de morcego trocadas por asas de fadas e pode ser chamado de “dragonete”. E no caso dos aquáticos, não ter asas. Sendo que não podemos esquecer que orientais não têm asas, mas voam...


Waldemar é chato pra c******!


Você pode dizer que as variações são espécies “menos evoluídas” ou “tentativas falhas de experiência”, da mesma forma que também pode alegar que todos são dragões. O que não quer dizer que não possa tirar um tempo para reflexão.


Tipos de dragões que valem a pena ponderar se existem em seu mundo.


A segunda dica é: definir o que um dragão é capaz de fazer.

Há muitas coisas que um dragão pode ser capaz. Desde meras características “passivas”, que ficam ativas o tempo todo, como a dureza de suas escamas, a coisas que ele precise ativar para ocorrerem, como a famosa rajada de fogo.

As capacidades de um dragão podem ser mensuradas pelas seguintes características:

• Alimentação: o que come? Quanto come? Coloca em risco um habitat durante a fase de crescimento ou gestação?

• Dejetos e decomposição: os dejetos valem alguma coisa? Um dragão com pele capaz de suportar uma saraivada de flechas leva quanto tempo para se decompor?

• Destreza: o que ele é capaz de fazer com suas patas? Lembrem-se que a inteligência e o polegar opositor que deram ao ser humano a capacidade de se tornar a espécie dominante no nosso planeta...

• Fala: seus dragões falam? Em qual idioma? São articulados? Compreendidos?

• Força, velocidade, agilidade, inteligência, sabedoria e capacidade de ser domesticado: quais são seus limites? Variam entre espécies?

• Inteligência: considero esta capacidade a mais importante a ser avaliada. Os dragões de sua narrativa se comportam como bestas selvagens sem controle? Ou possuem um “macho alfa”, que comanda o bando em ataques coordenados? Ou são possuem inteligência e/ou sabedoria?

• Magias: é capaz de fazer? Faz de forma instintiva ou racional? Tem algum custo ou pode fazer ilimitadas vezes?

• Metamorfose: em algumas narrativas, dragões podem se transformar em seres humanoides por habilidades naturais ou magia. Em sua obra, os dragões também podem fazer isso? Quanto tempo demora? É doloroso? Pode ser feito para mais de uma forma? O dragão transformado mantém a sua força, inteligência, resistência e demais capacidades?

• Nascimento: quantos, em média? Naturalmente, por invocação ou em laboratório?

• Ocupação territorial: quantos vivem por km²?

• Reprodução: sexuada ou assexuada?

• Resistência: quanto tempo pode ficar sem comer, beber e dormir? E qual é o seu limite para ataques físicos? Que doenças pode contrair e como o afetam? Temperaturas altas ou baixas lhe prejudicam? A magia lhe afeta mais do que quando aplicada em outros animais ou é mais forte contra ela?

• Sono: precisa? Por quanto tempo? Varia conforme seu tempo de vida?

• Tamanho e peso: variam conforme o tempo de vida?

• Tempo de vida: qual o limite? Quanto tempo leva para um filhote se tornar adulto e qual é o impacto que o tempo de vida lhe traz?


 No livro “O Cavaleiro do Dragão”, da Cornelia Funke, o problema da alimentação dos dragões é contornado de forma fácil, mas ainda assim, o dragão passa por dificuldades...


Como podem ver, há muitas coisas que podem avaliadas para uso dos dragões em sua narrativa. E cada uma pode render uma trama melhor que a outra.

Terceira dica a ponderar: se os dragões são uma ameaça e qual o nível desta ameaça.

O ser humano já teve que lidar com feras selvagens, doenças e inimigos com armas nunca vistas e/ou animais desconhecidos. E copiar a jornada da humanidade para colocar na sua narrativa não é nenhum erro grave.

Se os dragões são bestas selvagens e atacam um reino com frequência, este reino pode sucumbir ou criar especialistas em defesa contra dragões ou caça dos mesmos. Se os dragões mudarem de reino para atacar, o novo reino ameaçado pode fazer um acordo com o primeiro para exterminarem os dragões daquela região. Ou você também pode criar tramas em que os dragões sejam donos de reinos onde os humanos são escravizados e ninguém luta para acabar com tal tirania porque as criaturas governantes sustentam o continente inteiro. E é claro, você também pode fazer com que os dragões se unam com um determinado povo para formar uma classe de cavaleiros de dragão, que vão arrasar um império...


Filme “Reino de Fogo”, onde os dragões são os causadores do fim do mundo.


Última dica a reflexão: que classes de personagens podem ser criadas apenas pela existência de dragões.

Pense em um time de futebol, por exemplo. Uma equipe possui jogadores que se machucam constantemente e que precisam se alimentar, se vestir, treinar em ambientes limpos e seguros e também serem pagos. Por isso, a criação de um time de futebol gera vários cargos que vão além dos que saem nos pôsteres de campeões: médicos, nutricionistas, roupeiros, faxineiros, seguranças, contadores e diversos outros cargos são criados graças a existência da equipe.

A existência de dragões em seu mundo também pode acarretar a criação de diversas classes de personagens, que podem ser mescladas (como uma possível fusão do Caçador com o Matador, logo a seguir) ou colocadas em uma hierarquia (um personagem começa como um Acadêmico, para virar um Cuidador e assim ir galgando degrau por degrau até virar um Mestre, que é a fusão de TODAS as classes).

Vejam as classes possíveis:

• Acadêmico: o que vive estudando tudo sobre eles;

• Caçador: caça dragões (mas pode não matar, por algum motivo);

• Cavaleiro: o meu preferido. Usa dragões como montarias;

• Clérigo: serve aos dragões considerados divinos no mundo e ganha poderes ou reputação por isso;

• Criador: para mundos em que os dragões precisem ser criados em laboratórios. São os que dão vida a um dragão;

• Cuidador: criam dragões filhotes em cativeiros até que eles possam sobreviver em seu habitat.

• Curandeiro: cura dragões;

• Discípulo: aprende algo com o dragão (conhecimento, arte marcial ou magia);

• Domador: domestica dragões para reis, donos de arenas ou quem possa pagar;

• Extrator: retira itens de dragões vivos ou mortos (olho, escama, garra, etc.) para fabricar itens mágicos;

• Invocador: para mundos onde dragões só apareçam se forem conjurados;

• Matador: mata dragões;

• Ranger / Diplomata: cuida dos territórios dos dragões irracionais. O segundo representa os dragões em reuniões inteligentes em reuniões de reis pensando em expandir territórios;

• Ritualista: só faz magia se sacrificar itens de dragões... ou até filhotes;

• Servo: escravo de um dragão forte e inteligente.

Claro que você não precisa usar todas as classes que sugeri. Muito menos usar os nomes que listei. Os Invocadores podem ser os Dracomantes, por exemplo, assim como os Discípulos podem ser os Rakkhanistas, discípulos de Rakhan, o mestre do templo. Sem contar que a classe pode ser um grupo: ser um Caçador deve ser difícil, mas com a ajuda de mais cinco ou nove pessoas, fica um pouco mais fácil...

Concluindo, trabalhar com dragões em uma narrativa é algo que a humanidade sempre fez. Ninguém é obrigado a reinventar a roda e ser o próximo Tolkien ou George R.R. Martin. No entanto, se você quiser fazer com que as pessoas lembrem de sua narrativa e como seus dragões eram singulares, vale a pena tirar um momento para reflexão e planejamento.


Obrigado a todos(as).


Um comentário:

  1. Eu quase nunca usei dragões (um conto e duas poesias), mas no meu imaginário, dragões são solitários, cruéis (no ponto de vista de suas vítimas) e não falam. São mais brutos que inteligentes. Atacam em busca de alimento, por defesa ou vingança, mas sempre de uma maneira animal.

    O engraçado é que numa terapia de vidas passadas, foi resgatada uma suposta encarnação onde era um matador de dragões.

    Perguntei à terapeuta se isto era possível. Ela disse que muitas "vidas passadas" são reelaborações simbólicas de conteúdos do inconsciente, por isso não poderiam ser tomadas ao pé da letra.

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