domingo, 4 de março de 2018

Pantera Negra – esse negro maravilhoso...



Por Davi Paiva


ATENÇÃO: CONTÉM SPOILERS!!!


Como tudo na Marvel, a introdução do mais novo super-herói foi feita com sutileza e de forma gradual: um mapa da SHIELD indicando a localização de Wakanda (Homem de Ferro 2, 2010), um escudo feito com vibranium, material só encontrado no reino de T’challa (Capitão América – O Primeiro Vingador, 2011), uma menção ao reino de Wakanda e a primeira aparição de Ulysses Klaue (Vingadores – A Era de Ultron, em 2015), e é claro, a entrada do personagem no universo cinematográfico antes do seu filme solo (Capitão América – Guerra Civil, em 2016). Algo inédito dentro dos filmes da Marvel.


Ele estava aqui o tempo todo... e só você não viu.


O filme deu o que falar logo de cara. A escolha de um diretor jovem e negro, Ryan Coogler, de um roteirista negro, Joe Robert Cole, e a escolha de um elenco formado em sua maioria por atores negros mostrou que a Marvel estava disposta a trabalhar a representatividade negra assim como a DC acertou em cheio na escolha de Patty Jenkis para dirigir o filme da Mulher Maravilha.

O filme estreou no Brasil em 15 de fevereiro. Mas de lá para cá, já conseguiu recordes impressionantes. Além de ter uma ótima avaliação no Rotten Tomatoes (97%, atualmente), ele também foi classificado como o melhor de todos os tempos pelo mesmo site. E seu faturamento desbancou o sucesso de “Liga da Justiça” em apenas quatro dias. Quem podia imaginar que um dia, um filme de um super-herói desconhecido faria mais sucesso que outro envolvendo Batman, Superman e Mulher Maravilha...

Assisti ao filme no meu bom e querido cinema do Shopping Center 3 em São Paulo (quando será que eles me darão ingressos?). E o que tenho a dizer é o seguinte:

Elenco e atuações: a Marvel bebeu da fonte de Jenkis, que deu total destaque às mulheres, e se esmerou em dar tanto destaque aos atores negros. E não só tivemos dois ganhadores de prêmios Oscar, Lupita Nyong'o como Nakia e Forest Whitaker como Zuri, como também tivemos uma Danai Gurira mostrando sua versatilidade como atriz: Michonne é uma personagem durona por ser uma sobrevivente enquanto Okoye é uma durona por ser uma militar.

Andy Serkis e Martin Freeman, únicos atores brancos no filme, não deixam de merecer destaque. Enquanto o primeiro nos entrega um vilão solto e debochado (ri um bocado quando ele canta “What is Love”...), o segundo nos ajuda a entender o que é Wakanda através de sua própria experiência com o reino.

A moda de um diretor ter um ator de estimação chegou até Coogler e ele não só manteve a sua parceria com Michael B. Jordan, com quem já havia trabalhado em “Creed – Nascido para Lutar”, como também o fez entregar um personagem tão incrível que vou abrir um tópico sobre ele mais para frente.

Os demais atores também ficaram incríveis, marcando presença em cada minuto de tela que lhes deram.


Cientista e guerreira: Shuri é a minha mais nova princesa Disney preferida!


Direção: incrível. Após um vídeo introdutório apresentado ao próprio público (e não como um vídeo dentro do filme, tal qual tivemos no primeiro filme do Homem de Ferro), somos levados aos EUA de 1992 e por mais simples que possa parecer aquela cena, ela acaba virando o gancho para toda a trama que teremos mais para frente.


Essa dupla ainda vai render muitos filmes bons...


As cenas de ação possuem câmeras lentas em momentos precisos e que não tornam a cena enfadonha (aprendam, DC!), além de variar entre combates de dia ou de noite. Sem sombra de dúvida, um prato cheio de variações.

Roteiro: não desperdiça nada.

Apresentação? Para o público entender a relação da tribo de M'Baku (Winston Duke) com T’challa.

Cena inicial? Para todos entenderem a origem de Killmonger.

Forma de coroação? Para termos o impacto quando T’challa perder o trono mais para frente.

E por aí vai.

De acordo com o pessoal do Pastel Nerd, o filme é uma mistura de O Rei Leão com James Bond. E isso não é demérito para ninguém. “Pantera Negra” é um filme de sucesso com base em duas franquias muito queridas e bem elaboradas.

Piadas: há quem não goste da Marvel pelo excesso de piadas e há quem diga que alguns filmes têm o humor dos personagens pouco explorado.

No caso do filme do Pantera Negra, vemos que T’challa não quer e nem tenta ser engraçado. O que não quer que os outros não possam ser por ele. Okoye e Ramonda (personagem vivida com maestria por Angela Bassett) pegam no pé do herói por causa de sua hesitação na presença de Nakia, Shuri se diverte com seu maquinário, M’Baku tem o seu humor intimidador... cada um contribui para o riso sem fazer a cena perder o foco.


Woof! Woof! Woof! Woof! Woof! Woof! Woof!


Cenas de ação / uso de CGI: quanto menos computação gráfica tiver em alguma cena, melhor ela é. E no caso do filme do rei de Wakanda, temos boas lutas na coração e na perda do trono, além da perseguição na Coreia para capturar Klaue.

Infelizmente, a luta final entre T’challa e Killmonger acaba sendo ruim por um CGI muito criticado. De qualquer forma, é melhor uma cena final com um CGI ruim do que duas grandes cenas de ação com CGI ruim, ao contrário de um certo filme de uma amazona que saiu no ano passado...

Antagonista: me recuso a chamar o Killmonger de vilão! Me recuso!
Assim como disse o pessoal do podcast Zoneando (recomendo que ouçam também, pois contribuí no programa sugerindo muitas pautas), B. Jordan se mostra um ator incrível por conseguir demonstrar emoção através da raiva de uma forma espetacular.

Além disto, ele nos entrega um personagem que, no fundo, não dá para discordar: se você que estiver lendo este texto, tivesse um pai assassinado por um rei porque está combatendo fogo com fogo, não ia ficar com raiva do monarca e com a sua política de não usar a sua força bélica para mudar a situação do povo africano ao redor do mundo?


Nessa cena, os aplausos foram inevitáveis!


E no fim, mesmo depois de T’challa se oferecer para curar seu ferimento, o personagem desiste de tudo e emociona até em seu último pedido:

“Jogue-me no oceano, com os restos dos meus antepassados que pularam dos navios porque sabiam que a morte era melhor que a escravidão”.

Sem comentários. Killmonger pode ser considerado um dos melhores antagonistas do UCM.

Representatividade: seja lá quem estiver lendo, se você acha que representatividade é “mimimi” e/ou “vitimismo”, pode parar por aqui e ir para o agradecimento final. De verdade.

Ter um ator negro em um filme não o torna representativo. Se fosse assim, até “Steel” teria um mérito.

Ter um ator negro no papel principal também não o torna representativo. Se fosse assim, eu faria um artigo sobre filmes com super-heróis negros e indicaria a trilogia do Blade a jovens, sem vergonha de orientar os nossos leitores a ver os filmes 2 e 3 (que a meu ver, são bem ruins).

O filme do Pantera Negra é um sucesso não só por ser da Marvel (se fosse assim, a trilogia do Thor não seria tão repudiada). É porque a Disney levou a sério a questão de trabalhar os aspectos representativos de um povo africano sem estereótipos de uma forma leve, moderna e para um público jovem. Quantas vezes você já viu um filme com um governante negro, uma cientista negra e até uma general negra? Um ou outro, OK. Mas os três?

É claro que o filme poderia ser fidedigno ao que é apresentado nas HQs no que se refere ao relacionamento LGBT. É um ponto falho? Sim. Tão condenável quanto o CGI das duas cenas de ação de Mulher Maravilha, em um exemplo isolado? Não. Cartão amarelo para o filme. Seja como for, ele ainda marca golaços.

É claro que alguns ainda podem reclamar que esse filme faz sucesso pelo grande número de campanhas para crianças negras de comunidades carentes irem ver os filmes no cinema. No entanto, ninguém faria essas campanhas se não tivesse certeza que esse filme é algo para uma criança negra e pobre ver e se sentir enaltecida. Uma campanha para crianças negras irem ver “Esquadrão Suicida”, por exemplo, seria bacana apenas pela questão de nem toda criança pobre ter dinheiro para ir ver um filme nas telonas. De qualquer forma, a produção mencionada é apenas uma obra que não agrega nenhum valor ao público. Já a jornada de T’challa, que mesmo “nascendo em berço de ouro”, como muitos dizem para diminuir o personagem, traz muitos princípios que valem a pena serem passados para termos uma geração melhor que a minha: um bando de marmanjos que acha que a molecada precisa se contentar com o que tem, sejam lá produções com coadjuvantes, filmes antigos ou desenhos animados. Nunca um filme de fato. Sorte a nossa que algumas pessoas sabem se posicionar contra tais marmanjos...

Não desmereço nenhuma produção anterior quando falo que “Pantera Negra” é o melhor filme sobre representatividade negra que já vi. Cada um contribuiu com o que pôde para que tal aspecto fosse apresentado ao povo que, infelizmente, pelos comentários que recebi toda vez que compartilhava notícias sobre o filme em um famoso grupo sobre notícias de super-heróis, não absorveu nada. E a meu ver, o mais recente filme da Marvel conseguiu méritos que nenhum outro filme implementou sozinho:

• Diretor negro;

• Roteirista negro;

• Elenco formado em maior parte por negros;

• Super-herói negro (e não anti-herói) negro;

• Apresentou mulheres em diversas funções importantes (rainha-mãe, general, cientista, líder de clã, etc.) negras;

• Espiã negra furtiva, que não precisa apelar para dotes de sedução (típico clichê “negra sensual”);

• Sem estereótipos negativos (indiquei um artigo lá em cima sobre isso. Vale a pena a leitura);

• Personagem pertencente a um universo cinematográfico grandioso e em voga.

Caso você ainda ache que isso tudo é “mimimi”, por favor, me procure quando outro filme fizer TUDO isso. Até lá, “Pantera Negra” é o que não só o super-herói que temos como também precisamos.

Na dúvida, vocês ainda podem ler dois textos extras de minha autoria aqui e aqui sobre tal questão.


Obrigado a todos(as).


Faturamento de US$ 700 milhões (e ainda aumentando), 97% de crítica no Rotten Tomatoes (79% no público), 88 no Metacritc, 7.8 no IMDB e até enterrada com máscara! Nunca um filme com um super-herói negro chegou tão longe!

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