Por Davi Paiva
(inspirado em um artigo da Revista Dragão Brasil ano 8, número 94)
Mortos-vivos são muito populares na cultura pop. E não estou só falando de zumbis: qualquer criatura revivida por métodos considerados proibidos dentro de uma sociedade e que possua uma dependência ou devoção que coloquem em risco a vida de terceiros pode ser considerada um morto-vivo. Personagens morriam em Dragon Ball, mas o poder de Sheng-Long trazia qualquer um de volta à vida. O mesmo não podemos dizer de outras obras, onde alguns métodos de ressurreição são considerados tabus.
A literatura, quadrinhos/mangás, série/cinema, jogos eletrônicos e de tabuleiro já exploraram zumbis, vampiros e outros até as regras de funcionamento deles ficarem comuns e quase padronizadas. Um zumbi é perigoso e um vampiro é muito mais. Um esqueleto é perigoso e um fantasma é muito mais. Um vampiro é perigoso e um lich nem se fala...
Por isso eu creio que este artigo pode ser útil para quem esteja querendo elaborar uma boa sessão de RPG ou mesmo quem esteja escrevendo um conto, novela ou romance e queira caprichar nas aparições e interações de personagens com mortos-vivos.
Para a elaboração deste artigo, pensei nos seguintes mortos-vivos:
• Zumbi;
• Esqueleto;
• Fantasma;
• Vampiro;
• Lich.
Nem todo cenário de RPG ou mundo criado em livros possui todas essas criaturas (conseguem imaginar como The Walking Dead seria pior ainda com fantasmas?). Então usem este artigo como uma bússola apenas para orientação e extraiam dele o melhor que puderem.
Espero que gostem.
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A primeira coisa que une todas as espécies: capriche na descrição, mas sem exagerar.
Um personagem entrou em um hospital procurando insulina para aplicar em seu irmão diabético, sendo que o local é conhecido por ser um ninho de mortos-vivos. Ele é habilidoso na luta e na furtividade, mas sabe que lutar contra uma horda é desperdício de tempo e forças.
Como ele capta as características do local: sua visão é boa ou prejudicada pela iluminação falha? Ele escuta zumbis rosnando pelos corredores, pancadas secas de pés de esqueletos no solo ou música que os vampiros ouvem enquanto se deliciam com alguma vítima? A temperatura cai na presença de fantasmas? Que cheiro emana do local?
Conduza seus jogadores ou leitores (doravante, público) a sentirem o que você quer que eles sintam e faça com que eles sintam a ameaça presente ou se aproximando. E quando ela chegar, a tensão precisa ser descrita.
No entanto, não perca muitos minutos / páginas descrevendo tanto. Dose a mão ou seu público poderá se sentir enjoado de tanta descrição e sentirá falta da ação, seja a dos vivos contra as criaturas ou até a dos mortos-vivos contra as suas vítimas.
Outros efeitos que podem ser aplicados:
• Iluminação falha só pela presença sobrenatural de tais seres (tochas se apagando, lanternas falhando, etc.);
• Formas de vida mais simples ficam agitadas ou até morrem na presença de tais criaturas (plantas secam, animais ficam assustados ou furiosos, etc.);
• Magias têm suas características alteradas (fogo vira gelo, gelo fica mais forte, itens sagrados se quebram, etc.);
• Cenário se altera (chão de pedra vira lamacento, paredes expõem rostos de vítimas segundos antes de serem mortas, tetos pingam sangue, etc.).
Zumbis
Tidos como um dos mais fracos mortos-vivos, estas criaturas podem surgir por magia proibida, acidentes, experiências ou até doenças. Geralmente são lentos e irracionais, mas são incansáveis. Se encontram um alvo, o perseguem até serem destruídos ou decompostos. E o maior temor de um personagem é se tornar um deles por mordidas ou golpes de garras.
Como tornar isso ainda mais perigoso?
A primeira coisa que você pode rever é a famosa regra do headshot. Nem todo zumbi pode ser parado apenas com tiro na cabeça ou decapitação. Sendo ele um pedaço de carne reanimada por magia profana, esta mesma magia pode manter o corpo em pé enquanto ele ainda tiver pernas e poder causar dano por garras.
E por falar em garras... somente a mordida transforma pessoas em zumbis? Garras ou contato com a pele não causa contaminação? Abrindo o leque de possibilidades, os zumbis ficam ainda mais assustadores pelo método de contágio...
Quanto tempo leva para o seu zumbi transformar pessoas normais em zumbis? Muitas horas? Poucas horas? Minutos? Esse tempo curto pode deixar seu público tenso ao ver um personagem ser contaminado enquanto todos procuram uma cura.
Se o cadáver for reanimado pouco tempo após a morte, ele ainda pode apresentar um vigor físico tão bom quanto o de um atleta (ainda mais porque ele já não é mais limitado pelo fôlego ou cansaço físico, podendo ser tão veloz quanto um zumbi de Madrugada dos Mortos). Se o cadáver tiver muito tempo, seu cheiro pode afetar personagens e até ser um obstáculo.
Pior que uma horda de zumbis... só uma horda de zumbis que correm!
Depende muito do cenário e de como eles surgiram, mas um zumbi pode ser composto de outras partes para ser mais forte, rápido ou resistente no melhor estilo monstro de Frankenstein. Um cientista louco pode criar dez ou quinze criaturas assim. Uma corporação pode criar cem ou mais. E a vantagem numérica é uma característica dessas criaturas, tornando-as ainda mais perigosas.
Zumbis podem ter inteligência? Claro! Por que não? Desde a capacidade de formar e coordenar bandos em ataques como se fossem lobos até a destreza para uso de armas ou dom de conjurar magias (e dependendo da forma que morreu e o corpo foi conservado, teremos uma múmia).
Zumbis armados podem ser inimigos formidáveis.
E não podemos esquecer: mortos-vivos, geralmente, não possuem corpos quentes. Então qualquer personagem com visão de calor pode ter dificuldade em enxergar uma aproximação. Com um cenário frio, eles ficam ainda mais perigosos.
Esqueletos
O esqueleto é um morto-vivo pouco explorado em algumas narrativas porque não tem aquela dependência de ficar devorando vivos (em alguns cenários de RPG, eles têm apenas como desvantagem a devoção de servir a quem os conjurou), mas acredito que tenha muito potencial de perigo muito grande pelo fato de serem relativamente mais resistentes visto que não possuem carne para perfurar ou cortar.
Seguindo a dica que falei anteriormente, um esqueleto não pode ser parado apenas porque perdeu um braço ou mesmo a cabeça. Enquanto os ossos não forem esmigalhados, eles podem continuar avançando ou se rastejando para atacar os seus alvos. Ou pior: tais ossos podem se “remontar” formando uma criatura mais perigosa a cada combate ou virtualmente indestrutível.
E se é para causar perigo, que tal um “recheio” de fogo, veneno ou similar ao redor das criaturas? Golpear um esqueleto com uma clava deve ficar ainda mais difícil com a mesma sendo danificada por chamas...
Fantasmas
Novamente temos outro morto-vivo sem uma dependência, geralmente (o que não é uma regra). Fantasmas, na maioria dos cenários fantásticos, possuem como desvantagem a devoção a proteger uma pessoa, um lugar ou resolver um “assunto inacabado” para finalmente irem para o outro lado e deixarem o mundo material...
Sem um corpo físico, é preciso ponderar sobre o que causa dano a um fantasma: sal, ferro e cremação de seus corpos ou pertences como no seriado Supernatural, magia e/ou armas mágicas como muitos cenários de RPG ou eles são tão presos a um lugar que basta sair de lá para não serem atacados? E mesmo que sejam derrotados, por quanto tempo isso vai durar?
Trabalhar o “assunto inacabado” pode requerer criatividade e argumentação. Mostrar ao fantasma de um pai que o filho dele está vivo é uma coisa. Convencer o fantasma de um membro da Klan que ele estava errado é outra bem diferente e que vai exigir referências dos personagens.
Uma outra forma legal de deixar fantasmas ainda mais perigosos é usar a lista de “efeitos” que usei anteriormente e estender para falha de equipamentos eletrônicos ou explorar a capacidade de, em alguns cenários, eles poderem possuir corpos ou manipular objetos materiais para causar dano físico aos personagens. Sem contar o voo ou teletransporte...
Vampiros
Trabalhar a figura do vampiro não é muito difícil porque cada obra já existente deu a eles mais poderes do que o próprio Bram Stoker imaginou quando escreveu Drácula. Sem contar as inúmeras adaptações que Drácula teve para cinema, desenhos, seriados e jogos.
Quais são as características mais comuns de um vampiro? A dependência de sangue fresco, vulnerabilidade ao sol e a capacidade de perdurar, podendo viver décadas ou séculos. E diferente dos outros mortos-vivos, possuem inteligência (não que isso seja um mandamento. Reveja os monstros anteriores e veja se os mesmos não podem ter uma capacidade de raciocínio para formar bando ou mesmo uma inteligência superior à de um humano).
Quer surpreender? Troque o sangue por coração ou almas, dê um artefato que permita a um vampiro andar sob a luz do sol e faça com que a sua imortalidade lhe dê recursos para não precisar “sujar as mãos” com meros mortais, bastando contratar mercenários ou controlando outros mortos-vivos.
Vampiros podem ser guerreiros e magos formidáveis, capazes de proezas incríveis porque tiveram muito tempo de experiência em combates e estudos. Sem contar que sem serem limitados pelo cansaço físico, podem realizar batalhas perpétuas ou magias sem exaurir força física (o único limitador, caso queira, seria a quantidade de sangue que precisam ter ingerido antes da batalha).
Vampiros podem ser bonitos para atrair presas ou horrendos para afugentar potenciais caçadores. A escolha é sua.
Lich
Para escritores que não estão familiarizados com a classe, o lich é o mais poderoso tipo de morto-vivo, que conseguiu colocar a sua alma (ou uma parte significativa dela) em um item. E enquanto tal item não for destruído, o lich também não será.
Em alguns cenários de RPG, um lich só sofre dano por magias e armas mágicas, o que limita muito a capacidade de alguém ser páreo para ele. E considerando a complexidade que se exige para criar o artefato onde sua alma vai ser preservada, é esperado que ele tenha um vasto domínio de magia, incluindo magias proibidas ou lendárias.
Isso te lembra alguma coisa? Se você pensou no Voldemort, está no caminho certo.
Não tenha receios de copiar algumas coisas do Voldemort. A JK Rowling não inventou a roda.
Inspirado no maior inimigo do Harry Potter, você pode tornar mais perigoso algo que já é difícil de enfrentar:
• Quem disse que a alma precisa estar em apenas um amuleto? Em mais de um, cria-se uma caçada pelos artefatos para acabar com o inimigo;
• Um artefato tão profano pode contaminar o local no qual está guardado atraindo feras selvagens e criaturas malignas. Ou quem sabe até afetando a personalidade de seres racionais ali presentes, como na famosa teoria dos tios do Harry Potter só serem ruins porque ele era uma Horcrux ;
• O artefato receptor da alma também pode ser uma arma. A Nagini, se vocês pararem para pensar, era um mascote / arma de Voldemort;
• Destruir o artefato ou o próprio lich não precisam ser tarefas fáceis. Podem exigir épocas específicas (último dia do ano, primeiro dia do inverno, aniversários pouco conhecidos, etc.), artefatos específicos (um nêmesis), locais específicos (sim. Aqui você pode lembrar do Um Anel) ou a benção de um ser especial, como um animal raro de uma floresta, um imperador, rei ou sumo sacerdote ou até um deus menor ou maior. E caso a alma dele esteja em mais de um artefato, pode ser ainda pior se a destruição precisar de sincronização...
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Como podem ver, mortos-vivos não são famosos por acaso. Eles representam o terror, o horror e um verdadeiro obstáculo. No entanto, algumas reformulações foram feitas por determinados artistas e os tornaram menos temíveis e até mais “fracos”. No entanto, ainda é possível usar um pouco de criatividade para resgatar esse espírito de medo e tornar tudo ainda mais grandioso.
Obrigado pela leitura!