Por Davi Paiva
Já li muitos livros de técnica de escrita. Porém, poucos foram escritos por autores nacionais. E desta pequena parcela produzida entre o Oiapoque e o Chuí, não me lembro de ter tido a oportunidade de conhecer os autores.
Até 2017.
“Santa Adrenalina! – um guia para quem quer escrever thrillers”, de Claudia Lemes, foi lançado no ano passado pela editora Lendari. Nele, a autora não só oferece dicas simples e dinâmicas em apenas 120 páginas como também exemplifica tudo que ensina ou com trechos de seus livros ou com livros de outros autores, além de filmes.
Obtive um exemplar no ano passado e até o divulguei no meu artigo “Arquivos para Escritores”. Fiz a leitura e estou pensando em fazer uma nova ainda este ano.
O que o torna tão bom: a Claudia deixa claro, logo nas primeiras páginas, que thriller não é só romance policial ou obras de suspense. Qualquer obra pode ser produzida como thriller. E no decorrer do livro, vai explicar métodos para criações de personagens (protagonistas, vilões, secundaristas, espelho, etc.), diálogos, recursos técnicos (plot twist, arma de Tchekov, arenque defumado, etc.) e ainda deixa bons depoimentos sobre o que pensa da produção literária em aspectos delicados, como descrever sexo e violência ou o quanto o mantra “mostre, não conte” deve ser levado a ferro e fogo.
Outro lance genial da autora: para quem está cansado de usar a Jornada do Herói ou a dos Três Atos como estruturas narrativas (e quem não as conhece, pode aprender no livro), ela não só ensina a Pirâmide de Estrutura Dramática de Freytag como também a Estrutura de Oito Pontos de Watt e... sua própria estrutura narrativa, denominada Estrutura de Dez Pontos de Claudia Lemes! Sem sombra de dúvidas, é um livro tanto para iniciantes quanto para veteranos na escrita, sempre com algo novo para a formação do escritor.
Tivemos a oportunidade de falar com a autora e perguntar como foi criar uma obra tão querida por mim, além de outros detalhes.
Esperamos que gostem.
DN: vamos começar falando sobre a sua vida no mundo da leitura: você lê muito? Desde que idade? Teve apoio familiar, de amigos ou de professores? Tem autores(as) preferidos ou obras prediletas que construíram a sua personalidade como leitora? Quais?
Cresci numa casa com uma biblioteca e na minha família ler sempre foi natural, e sou muito grata por isso. Leio compulsivamente desde os 7 anos. Embora a vida agitada tenha diminuído o meu ritmo de leitura, eu leio quase todos os dias. Meus autores preferidos são Roald Dahl, Anne Rice, Frank mcCourt, Stephen King e Kurt Vonnegut.
A autora, Claudia Lemes.
DN: agora vamos falar sobre a sua formação como escritora: quais obras leu que a ajudaram a escrever tão bem, quais cursos ou oficinas você fez e quem foram seus grandes professores para chegar até aqui.
Quando eu comecei a escrever eu não tinha nenhum tipo de base teórica, mas já tinha centenas de livros devorados, e inconscientemente usei estruturas e truques que havia assimilado por repetição. Quando me vi envolvida no mercado editorial de forma mais “séria”, decidi estudar. Foram muitos livros sobre escrita, mas destaco Sobre a Escrita, do King, todos os livros da Rayne Hall e “Writing a Killer Thriller”, de Jodie Renner.
DN: como surgiu a ideia de produzir o livro?
Eu comecei a dar cursos de escrita para meus colegas e eles adoraram e começaram a divulgar. O Mário Bentes, Publisher da Lendari, me convidou a escrever um livro sobre o assunto, que eu entreguei dois meses depois. Desde então o livro, com um trabalho gráfico e de edição maravilhosos, esgotou (a segunda edição sai ainda neste ano) e foi até indicado no curso de edição de livros do grande Publisher Pedro Almeida.
DN: conte-nos um pouco sobre a produção do livro: quanto tempo levou? Você teve muitos auxiliares? Quais foram as reações dos leitores beta [leitores que leem o livro antes dele ser publicado. Às vezes apontam erros ortográficos e/ou de pontuação e falhas na narrativa]? E os editores?
Eu passo por todo esse processo (betas, etc) com meus romances. Com o Santa não foi necessário. Terminei o livro e passei para o Mário, cujo trabalho de edição sugeriu pequenas mudanças, e então o livro foi para a revisão e projeto gráfico.
DN: como foi a reação de parentes e amigos quando lançou? Houve crítica positiva e/ou negativa? Outras pessoas que nem conhecia entravam em contato com você para dizer o que achavam?
Tive respostas positivas e muito gratificantes de muitos escritores que leram a obra, muitos deles pessoas que sempre admirei e autores publicados por grandes editoras. O Santa foi o primeiro livro que escrevi para um público novo, já que meu público leitor é fiel aos meus thrillers e romances policiais. Este livro foi meu primeiro trabalho de não-ficção, que eu sabia que seria lido pelos meus colegas de profissão, então deu um frio na barriga, mas até hoje não soube de críticas negativas sobre ele.
DN: O que mudou de lá para cá?
Na época em que publiquei o Santa Adrenalina, estava muito focada nas minhas comunicações com grandes editoras para lançar meu próximo trabalho. Vinha de editoras tradicionais de bons profissionais, embora pequenas, e meu próximo passo era uma editora maior. De lá para cá nosso mercado começou um profundo processo de transformação, e com a impossibilidade de publicar meu thriller no timing que eu desejava, optei por voltar à publicação independente, que tem sido divertido e muito bom para mim.
DN: você ainda colhe frutos desse trabalho?
Sim, muitos. É legal poder ouvir de escritores que seu livro foi importante para eles. Acho que é uma contribuição para o fortalecimento da literatura de gênero no Brasil. Por outro lado, também ganhei uma ou duas inimizades com autores que consideram o estudo da literatura uma forma de imposição de regras.
DN: acha que o mercado de thrillers é bem explorado no Brasil? Quais autores, além de você, estão nesse tema?
Cada vez mais, sim. As editoras nacionais já estão procurando autores de bons thrillers, e escritores estão começando a produzir livros assim. Ainda vejo grande confusão por parte deles entre o que é um livro de suspense e o que é um thriller: diferença de estilística e ritmo, principalmente. Mas o thriller tem tudo para ser o grande gênero dos próximos anos.
DN: qual é a melhor vantagem em escrever thrillers? E qual é o maior obstáculo?
A vantagem é poder brincar de surpreender o leitor, de esconder coisas e revelar segredos em momentos chave. O maior obstáculo é adaptar thrillers para a ambientação nacional, onde o processo de investigação, por exemplo, é totalmente diferente do que consumimos em seriados, livros e filmes estrangeiros.
DN: em primeiro lugar, gostaria de lhe dar os parabéns por criar uma estrutura narrativa. Pode nos contar, por gentileza, como chegou a tal processo criativo e quanto tempo precisou?
A minha estrutura é um “fruto” das outras. Eu realmente não fiz nada de muito original, fora propor uma alternativa menos “manjada” para as estruturas convencionais. Foi um processo instintivo e rápido. Elaborei os pontos dele em meia hora, e testei num romance meu. Com o teste feito, divulguei ele no Santa Adrenalina.
DN: qual foi a repercussão em divulgar a estrutura?
No leitor, sinceramente, não sei. Mas ela é vista com entusiasmo nos cursos que dou. É gostoso ver que as pessoas correm para anotá-la, fazem perguntas, e pedem para que eu explique cada etapa. Acho isso legal. Minha meta é ajudar escritores.
DN: posso estar errado, mas acredito que o mercado de livros de técnica de escrita produzido por autores nacionais está crescendo. Você também acredita nisso? Considera um aspecto positivo ou negativo? E por quê?
Acho que todo conhecimento compartilhado é positivo, desde que fique claro que são apenas sugestões, não regras. “A Bíblia do Escritor” do Alexandre Lobão é um excelente livro para escritores, assim como o Guia de A a Z do Fabio Fernandes, que acabou de ser lançado pela Monomito Editorial.
DN: gostei muito do trecho “o quanto descrever sexo e violência?”. Acredita que mudaremos esse panorama daqui a uns anos ou a tendência é nos manter tradicionalistas?
Acho que ainda demora para o público geral, que está vivendo uma onda conservadora estranha. Mas os leitores fiéis do nicho não se abalam com essas coisas e a aceitação deles é a que realmente importa.
DN: teremos um “Santa Adrenalina 2”, com ainda mais instruções daqui a uns anos?
Estou num projeto de não-ficção bem legal, mas não posso revelar detalhes ainda. Mas Santa Adrenalina vai ganhar uma nova edição com um ou mais capítulos inéditos.
DN: quais são seus próximos projetos e onde podemos encontrar seu material, além do “Santa Adrenalina!”?
Meu próximo thriller, Inferno no Ártico, será publicado no final de Agosto. A pré-venda bateu a meta e quase 150 exemplares foram vendidos em menos de um mês. Neste ano ainda lanço a segunda edição do Santa e outro livro sobre escrita, além de vários contos em antologias de suspense e terror. Meus romances anteriores, Um Martini com o Diabo e Eu Vejo Kate podem ser encontrados na Amazon, em livrarias online e no site da Editora Empíreo.
DN: muito obrigado pela sua participação. Gostaria de deixar alguma dica e/ou conselho para quem estiver lendo essa entrevista e queira um dia ser escritor ou apenas lançar um livro?
O estudo formal é importante, mas não tanto quanto a leitura e a dedicação. Leia sobre as técnicas, mas escreva muito e leia mais ainda. Converse com outros escritores e conheça também o mercado. Se você escreve suspense, terror ou policial, sugiro se afiliar à ABERST: Associação Brasileira de Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror, para interagir com dezenas de outros escritores.
Raio X da autora
Nome: Cláudia Lemes
Data de nascimento: 27 de Agosto de 1979
Local de nascimento: Santos, SP, Brasil.
Onde vive atualmente: Santos, SP.
Charmander, Squirtle ou Bulbassauro: Charmander
Um ídolo: Karin Slaughter
Um livro: As Cinzas de Angela
Um filme: Los Angeles: Cidade Proibida
Uma música: Run Like Hell, Pink Floyd
Uma frase: “Uma vez uma pessoa que eu amava me deu uma caixa de escuridão. Levou anos para eu perceber que isso, também, era um presente.” – Mary Oliver
Um sonho: ver o Palmeiras ganhar um mundial
Um lugar: Eu amo minha cidade, Santos.
Um quadro, monumento ou escultura: Venus Adormecida do Paul Delvaux
Uma qualidade: Força.
Um defeito: Agressividade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário